Lendas

Poço das Asas

poço das asas

“Havia segundo parece nesta povoação do Chão Frio, uma formosa e morena rapariga à qual não faltavam requestadores, mas que infelizmente já tinha dado corpo e alma a um fidalgo da Vila que em determinadas noites, vinha ocultamente aguardá-la neste sítio.

Descobriram os malogrados amantes o mistério daquelas nocturnas entrevistas e uma noite acontecendo que a rapariga sozinha, esperando o seu apaixonado, eles a assassinaram barbaramente.

No dia seguinte de madrugada, quando a gente da povoação veio buscar água, encontraram o cadáver da camponesa e bem assim o Poço, contendo na sua superfície algumas penas brancas, como a geada, o que desde então muitas vezes acontece.

Dos assassinos, dois fugiram, enquanto que o terceiro, ralado de remorsos, dentro de pouco enlouqueceu e vinha quase diariamente sentar-se nestas pedras, ficando horas e horas seguidas à superfície desta água, no fundo da qual parecia buscar o que quer que fosse.

Àqueles que passavam, dizia que viesses ver as penas saídas das asas de um anjo que ali estavam à superfície da água, e acusando-se do seu crime, acrescentava que a camponesa quando fora morta trazia no seio uma criança e que o anjinho, ao despedir-se dolorosamente da vida, havia deixado cair algumas penas das asas na superfície da água.

Tornou-se então lendária a narrativa do louco e é por isso que ainda hoje chamamos a este sítio, o Poço das Asas.”

De “Lendas e ditos”, trabalho de recolha do grupo A (1995/1996) da EB 2,3 de Horta

A Praia do Santo Cristo

praia de santo cristo

Há muitos anos atrás, tal como ainda hoje, as pessoas da Praia tinham muita fé em Santo Cristo e à sua festa, vindos de toda a ilha, acorriam muitos romeiros, que acreditavam nos milagres que Ele operava. Nesse dia a Praia enchia-se de alegria e gente que vinha pedir ou agradecer a Santo Cristo alguma graça.

Vendo todo este fervor em redor do Santo Cristo que estava na Praia, alguém importante da Igreja ou os poderosos da cidade quiseram levar a imagem de Cristo crucificado para um lugar mais digno, uma igreja mais imponente da cidade da Horta. O povo da Praia ficou muito aborrecido com o que lhes queriam fazer, alguém chegou mesmo a levantar a voz e dizer que, se o crucifixo tinha passado tantas ilhas e tantos portos a boiar sobre o mar e só tinha vindo parar na areia da Praia do Almoxarife, era porque queria ficar ali. Mas nada conseguiu esse habitante da Praia.

Um certo dia lá chegou a comitiva para levar a imagem. Alguns homens foram encarregados de transportar o Senhor Crucificado, que deixou a Igreja, debaixo do choro de muitos paroquianos.

A procissão foi andando pelas ruas da Praia, em direcção à cidade. Até certa altura correu tudo muito bem, mas, quando chegaram ao cabo de cima da ladeira, o crucifixo tornou-se muito pesado, tão pesado que ninguém o conseguia arrastar, mesmo que se juntasse a força de vários homens.

Sem saber o que fazer, resolveram trazê-lo de volta para a igreja da Praia e esperar melhor oportunidade. Assim que se voltaram para baixo, o crucifixo ficou leve, tão leve que qualquer homem, mesmo muito fraco, o trazia com facilidade.

Ainda outras vezes tentaram levar a imagem para a cidade, mas acontecia sempre o mesmo, até que as pessoas incrédulas compreenderam que Santo Cristo queria estar na Praia do Almoxarife.

E lá se ficou até hoje. Aos poucos, a freguesia começou a ser conhecida por Praia de Santo Cristo e, na Rocha Vermelha, junto ao lugar da praia onde o crucifixo tinha aparecido, nasceram poderes de cravos goivos que ainda hoje nascem ali sem ninguém os semear, para indicar o lugar onde Santo Cristo quis fazer morada.

De “Açores, Lendas e Outras Histórias”, recolha de textos de Ângela Furtado Brum

Lenda do Senhor Jesus da Praia do Almoxarife

lenda do sr jesus praia do almoxarife

Num dia de sol, e bonança, depois de uns dias de temporal, uma velhinha da Praia do Almoxarife foi à Praia, para os lados da Rocha Vermelha, procurar gravetos ou bocados de madeira, restos de algum navio naufragado, para acender o lume.

Enquanto caminhava pela praia, deparou-se inesperadamente com uma imagem de Cristo Crucificado, muito bonita, mas sem um braço.

Muito satisfeita, a velha correu como pôde e avisou alguns homens do lugar. Estes levaram a imagem truncada para a igreja, ficando o padre muito contente porque era a única igreja da ilha que ainda não tinha imagem.

O Cristo crucificado impressionava a todos os cristãos pela sua expressão e então o pároco pensou em reconstituí-lo. Contudo foram vãs todas as tentativas de lhe colarem um braço novo, porque nunca aderia e assim o padre e a população desistiram dos seus intentos.

Passou algum tempo, a velhinha que tinha sempre o costume de ir à praia procurar lenha para fazer o lume, porque era mais fácil para ela que á não podia ir para longe nem fazer grandes subidas, lá voltou mais ou menos ao mesmo lugar. Encontrou um pedacinho mais grossinho que levou para casa junto com os outros gravetos.

Quis rachar o pau com um machado, mas ele fugia sempre e a velhinha nunca lhe conseguia acertar porque ele saltava. Pegou no toro e pô-lo na fogueira mesmo assim, mas, para espanto seu, o lume não o consumia. Reparou então que o tronco tinha um formato especial e parecia trata-se do braço do Cristo Crucificado que tinha achado uns dias antes. Foi levá-lo ao padre e, logo que o puseram ao pé da imagem para ver se ajustava, imediatamente o braço se soldou, para espanto de todos.

Ainda hoje, numa capela própria da igreja da Praia do Almoxarife, está o belo crucifixo, com um dos bracinhos soldados, que misteriosamente apareceu na praia. É motivo de grande veneração por parte dos faialenses e principalmente dos habitantes da freguesia”.

De “Açores, Lendas e Outras Histórias”, recolha de textos de Ângela Furtado Brum

Santo Cristo dominou o fogo

santo cristo

Era no princípio do século dezoito, mais precisamente no dia um de Fevereiro de mil setecentos e dezoito. Os habitantes da Praia do Almoxarife andavam ocupados nos seus trabalhos. As mulheres estavam no arranjo da casa e da comida e os homens andavam no campo, a trabalhar a terra da qual tiravam o seu sustento.

Alguém, por acaso, olhou para o lado do Pico, em frente, do outro lado do canal e viu uma coisa horrível e inesperada: o lume rolava sobre o mar, em bocas de fogo abertas, em direcção à Praia do Almoxarife. Tinha rebentado um vulcão no Pico, em Santa Luzia ou nas Bandeiras, e a lava fervente era tanta que se tinha espalhado pelo canal e ameaçava vir destruir as casas, as terras e outros haveres das pessoas daquela banda do Faial.

O povo da Praia do Almoxarife, muito crente em Santo Cristo, que sempre o tinha protegido nas suas aflições, foi com muita fé buscar o crucifixo e levou-o para a beira-mar, junto à praia. Os homens que seguravam o crucifixo, desenharam com o Senhor uma cruz na areia e seguraram-no na vertical, de frente para as ondas de lume que avançavam sobre a água, aproximando-se a toda a força.

Então o Cristo curvou-se como se estivesse a fazer uma vénia ou a mandar o lume afastar-se para trás. Perante os olhares pasmados das pessoas, o fogo obedece, começou a recuar e a sumir-se pelo mar abaixo.

A alegria foi geral porque estavam livres de perigo e a fé no seu Santo Cristo aumentou cada vez mais. A Câmara da Horta prometeu fazer a festa todos os anos, no dia um de Fevereiro, e não o esqueceu, tendo vindo durante muitos anos as altas personalidades, descalças, para prestar homenagem ao Santo Cristo da Praia.

De “Açores, Lendas e Outras Histórias”, recolha de textos de Ângela Furtado Brum